quinta-feira, 12 de junho de 2008

À sua sorte

O Sr. Artur apostava na cautela em toda a ocasião semanal, sem contar com a lotaria da Páscoa, reis, Carnaval, Férias Grandes...papava-as todas.
O número era sempre diferente, com uma terminação sempre igual, 42.
Para ele também as relações tinham um início diferente, que no entanto esperava sempre o mesmo término, o fim.
Chamavam-lhe de Cauteloso, não só pelo seu amor às cautelas, como pelo temperamento com que as pessoas o tinham em conta. Ele não ligava ao nome, nem às coisas que o ligavam a este, gostava de cautelas e detestava alargar-se em extensas análises introspectivas, no entanto achava-se pacifico.
Certo dia, há demasiado tempo para se lembrar dos anos que tinha nessa altura, encontrou um quiosque. Um qualquer, que só a vontade o torna no numero um das preferências, um “top” de postos de venda de jornais e tabaco, um verdadeiro exemplo do apoio do governo ao comércio tradicional.
Esse quiosque tinha uma vendedora, a vendedora para Artur era bonita. Embasbacou-se Artur a olhar para Rosália, ela cheirava bem, a rosas.
Ele olhou para ela, e ela gostou, gostou dele.
Artur não soube o que pedir.

Apesar do quiosque habitar o outro lado do bairro, Artur visitava-o todos os dias, muitas vezes, todas as que podia; e ele podia sempre.
Tornou-se fumador, comprava cromos e cadernetas, jornais, revistas, pensos rápidos, isqueiros e todo o restante “stock”, à vez. Até um elástico cor de rosa com a cara do pateta, para uma suposta sobrinha, que nasceu sem ele conhecer um único irmão.
Eles sabiam que se amavam, e a confirmação veio nos dias seguintes de cautelas e dos mais vícios que adquiriu com Rosália. Vícios bons até o corpo aguentar a pressão do continuo, numa caneta que vai esgotando a tinta, ou uma página que já não tem margem para mais palavras.
Dias arrastados de colecção até ao ultimo cromo, à espera de um cigarro final.
O fim veio-o anunciado, em primeira página de jornal, sem crime, mas capital, expresso em 24 horas, tal & qual.
A experiência escusou lágrimas, e a certeza de novas de novas duvidas acalmou o coração. Um amor de 42 dias, terminação, ponto final.

3 comentários:

.....chá na rua disse...

:)Muito bom, Zé. Mais, quero mais! Beijos.

clube tsé disse...

Escreves como eu gostaria de criar. Escreves imagens que cada um torna suas que são próximas e distantes. Dizes tudo sem dizer, brincas com as palavras sem gozares. Gosto muito de te ler.

LuisElMau disse...

definitivamente sou Publico das tuas letras.